A crise que vinha acontecendo desde que Dilma foi reeleita
chegou hoje a um ponto que seu desfecho se torna imprevisível.
O rompimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB)
com o governo petista marca muito mais que uma posição pessoal: revela que as
relações entre o governo e seus aliados se baseiam na cumplicidade e numa
espécie de ormetà tupiniquim. Acusado numa delação premiada, Cunha se diz
inocente e considera que a culpa da acusação é do governo petista, que quer
acuá-lo por julgá-lo um “inimigo”. E, como nas organizações mafiosas, a vingança é inevitável.
Pode até ser que ele seja inocente, que jamais recebeu 5 milhões de dólares ilegais, mas é improvável, mesmo porque Cunha nunca
foi santo. Um dos seus primeiros cargos, na política, foi a presidência de uma estatal no
Rio, nomeado por Collor depois de indicação de ninguém menos que PC Farias. Quem
tem uns 30/40 anos hoje sabe o que isso significa.
Só que Cunha é, hoje, um político que tem considerável poder
nas mãos e não deve estar blefando em seu rompimento. Ou seja, se decidiu
romper com o governo é porque tem certeza do apoio de deputados em número
suficiente para transformar num inferno para o governo qualquer votação na
Câmara dos Deputados.
A nota toda cheia de dedos que o PMDB emitiu logo após a
declaração de rompimento era mais que esperada. O PMDB como um todo jamais
daria um passo com esse grau de consequências se não tivesse a certeza de que
continuaria no poder ou que o assumiria de vez.
Como a queda de Dilma e a ascensão de Temer é um processo
bastante complicado, o PMDB prefere assistir à queda de braço entre Cunha e o
governo Dilma, colocando panos quentes onde for preciso ou jogando gasolina na
fogueira se isso lhe for conveniente. A viagem de Temer a Nova York por uma semana
não deve ter sido planejada com mais de dois dias de antecedência: o clima
esquentou tanto por aqui com a denúncia contra Cunha, que nem o verão nova-iorquino assusta o vice presidente. Ele prefere ficar longe até as coisas se assentarem ou explodirem de vez, pois uma queda abrupta de Dilma o coloca no trono. Ou o derruba junto com ela.
Já o presidente do Senado, Renan Calheiros – que também viu
sua situação complicar com a volta daquele processo de sustentação da filha da
amante feita por uma empreiteira – pode servir como fiel da balança: está em
apuros menores que Cunha, mas não vê com bons olhos as acusações sobre seu
colega, porque, com certeza, também deve ter tomado parte do butim petrolífero
e apenas aguarda que um delator premiado o jogue na fogueira. Não deve seguir o colega no rompimento, mas não vai deixá-lo ao desabrigo, demonstrando solidariedade e, ao mesmo tempo, mandando recado ao governo.
A reação do governo tem duas frentes. Dilma, posando de “olímpica” - que ela nunca foi, diga-se - mandou “vazar” na imprensa que determinou aos seus
ministros que ninguém reaja ao rompimento de Cunha, como se ele fosse um peixe pequeno
ou uma carta já fora do baralho. Não é e até Mercadante deve saber disso.
A outra frente é o confronto. O governo determinou – e isso
é evidente – que um obscuro deputado do PSC entrasse com um pedido de
afastamento de Cunha da presidência da Câmara enquanto ele estiver sendo
investigado pela Procuradoria Geral da República. O pedido carimba o rompimento
e não tem volta. Cunha sabe que atrás do deputado requerente está o PT e o
Planalto. E, pior: o pedido é inútil, a não ser que Cunha tenha perdido totalmente o controle sobre seus aliados, o que não parece ter ocorrido.
O desfecho disso tudo? Como eu disse, é imprevisível. Mas
nas próximas horas, ou dias, afinal hoje é sexta-feira, veremos importantes
entrincheiramentos e, lá pela segunda-feira, talvez já possamos avaliar quem
terá mais garrafa vazia pra vender.
Mas é um jogo para profissionais. Quem não tiver estômago forte
aconselho a ficar na moita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário