quinta-feira, 23 de abril de 2015

Quem tem medo das teses da militância petista?


Ganhou notoriedade maior este ano o Caderno de Teses do PT, produzido para o V  Congresso do partido que acontece em junho, em Salvador (BA). Em parte por causa da oposição ao petismo que anda divulgando-o como uma espécie de prova de que eles querem mesmo transformar nosso país numa imensa Cuba, passando antes pelas agruras em que vive hoje a Venezuela. 

Mas a notoriedade é motivada também pelo imenso folclore que o documento contém e que, num primeiro momento, assusta, mas depois vira humor, tamanho os absurdos, as mentiras, as análises enviesadas da realidade, enfim, toda a prosopopeia que a velha esquerda insiste em usar em detrimento da realidade. 

Quase tudo é escrito como se o  capitalismo fosse o maior dos males e o socialismo não só o “bem” como fosse inevitável, como um natural progresso da humanidade.  Não escrevem, claro que o socialismo não deu certo e que, nos países que realmente contam no concerto mundial, é carta fora do baralho, é passado de terror que, quem viveu, jamais quer viver de novo.

Em primeiro lugar, que fique claro, teses como essas são produzidas amiúde pelos grupelhos de esquerda que coabitam o PT, combatem o capitalismo e querem porque querem uma ditadura do proletariado para chamarem de sua. Não serão colocadas em prática a não ser que um grupelho desses consiga vencer a eleição interna do partido, dominar o diretório nacional e, depois, vencer as eleições presidenciais do Brasil. Ou dando um golpe que resulte numa tomada à força do poder e instale aqui uma ditadura socialista, depois de eliminar uns 20 ou 30 milhões de possíveis opositores. Eliminar à bala, como fizeram outras ditaduras do tipo.

Mas antes que isso aconteça, talvez o socialismo já tenha virado peça de museu, de estudos curiosos, para saber como populações inteiras se deixaram levar por vãs promessas de paraísos terrenos e sofreram tanto e por tanto tempo na mão de tiranos.

Detalhe: não há, nesse caderno que circula por aí (não sei se ele está completo) tese da corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB). É a que comanda o partido e à qual pertencem Lula e Zé Dirceu.

Isso posto, vamos ao caderno de teses. Uma das poucas visões corretas de todo o caderno (são 165 páginas), deve ser o título dado à sua tese pela tendência Articulação de Esquerda: “Um partido para os tempos de guerra”. Considero o título correto porque, depois de 12 anos no poder, mais de 70% da população brasileira não aguenta mais o PT e está em guerra declarada contra ele.

Mas é difícil achar outros “acertos”. O êxito do partido em algumas políticas públicas não passa, nem de raspão, pelo fato de a economia ter sido totalmente mudada na era FHC, criando condições para que, num cenário mundial favorável, o Brasil se sobressaísse mercê seu formidável poderio exportador.

Depois de esquecer o que ocorreu antes e fazer grandes elogios ao governo Lula, a chapa faz uma autocrítica que revela o tom que vai permear o resto da tese: “Mas não fomos capazes de realizar transformações estruturais, que retirassem do grande capital o controle sobre as alavancas fundamentais da economia e da política brasileira”. 

Por aí se vê que o objetivo é estatizar tudo, acabar com o “grande capital” e dominar a economia e a política. Esse parágrafo já depõe contra todo o documento e o que se verá dali pra frente é o velho discurso da esquerda de dominação total e da destruição do capitalismo para se manter no poder. Lixo.

A segunda tese exposta no caderno é da chapa Diálogo e Ação Petista e tem por título “Resgatar petismo no PT!”, assim mesmo, com ponto de exclamação.  A tendência tem uma visão mais imediatista da história atual. 

Diz, logo de cara, que “os dias 13 e 15 de março definiram os dois lados da trincheira.” E que os que foram às ruas no dia 13 “forneceram um ponto de apoio para a resistência popular à ofensiva reacionária”. Ok, não riam. Para essa turminha, o fato de a CUT, o PT e os governos petistas contratarem milhares de pessoas, dando condução grátis, camisetas, bandeiras e faixas e ainda pagando um “cachê” pela participação, se constitui num definidor do movimento de massas de esquerda que ora se vê no Brasil. Esse povo “contratado” é o ponto de apoio deles. Os outros todos que foram às ruas dia 15 de março (e também em 12 de abril), voluntariamente, movidos pela indignação e pela esperança de mudar o Brasil para melhor, não passam paus mandados convocados por empresários, partidos de oposição e pela TV Globo. Eles dizem que até a Federação Paulista de Futebol mudou horários de jogos para promover a manifestação, quando foi exatamente o contrário que ocorreu: a PM pediu para a FPF mudar o horário para a força policial dar conta da segurança de todos.

Quando vejo a leitura que esses socialistas fazem da realidade, percebo porque gente séria não acredita mais neles e muito menos no socialismo. Um regime que nasce de premissas totalmente falsas não vai encontrar amparo na realidade nem adesão dos honestos.

Só para constar: o 32º parágrafo do texto dessa tendência termina com um brado: “Abaixo o Plano Levy”. É pra levar a sério?

A terceira tese do caderno é da chapa Mensagem ao Partido e ela prega um “novo ciclo de mudanças democráticas no país”. O título seria bom desde que as mudanças fossem mesmo “democráticas”. Mas o que a esquerda entende como “democracia” é fim das liberdades, o fim da economia privada, a censura à imprensa e por aí vai.

Para explicitar sua tese, a chapa começa com uma “análise” do cenário internacional, onde, pela enésima vez, o capitalismo vive seus dias de agonia e a esquerda dá sinais fortes de crescimento. Eu lia coisas assim durante a ditadura militar no Brasil, quando era estudante e frequentava alguns núcleos de partidecos de esquerda, clandestinos, claros.

Na análise, para se ter uma ideia mais precisa das baboseiras, a Venezuela, país “que mais se atreveu no caminho da agenda pós-neoliberal” é vítima das “duras pressões do mercado financeiro internacional e da ingerência do governo dos EUA...” Ah, sim, toda a corrupção na Petrobras é atribuída a FHC, que a iniciou. Dilma só a combateu... É muita cara de pau, né?

Depois de 130 parágrafos de mentiras e delírios socializantes da Mensagem ao Partido, começa a tese da Militância Socialista. Após teorizar sobre socialismo e o que é ser socialista, a crise do capitalismo vira tema (como sempre, né?), apontando-o como causa de todos os males do mundo. “O capitalismo global está no auge de uma estagnação secular”, afirma a chapa no, coincidentemente acho eu, 13º parágrafo. Como já disse, cansei de ler frases como essa há cerca de 45 anos.

Um detalhe interessante: a II Guerra, para essa tendência, “foi um conflito imperialista” em que “as elites dominantes fascistas ou ‘democráticas’ promoveram a barbárie e deram prova daquilo que a ordem capitalista é capaz.” A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que matou milhões, foi fundamental também para deter Hitler e invadiu países do Leste Europeu, dominando-os e impondo ali ditaduras de esquerda, ficou de fora. Acredite: para eles, só os fascistas e ‘democráticos’ promoveram a barbárie.

Depois de 90 parágrafos da Militância Socialista, surge a tese da chapa O Partido que Muda o Brasil. Como título apenas “Manifesto”. Logo de cara, depois de algumas considerações sobre o que eles consideram o cenário político atual, afirmam, com a maior cara de pau, que Lula e Dilma só venceram no segundo turno suas eleições porque a sociedade brasileira é conservadora e “alguns segmentos nunca esconderam seu desprezo pelos pobres ou pelos nordestinos, nem ocultaram seu racismo, sexismo e homofobia”. Pois é. Para eles, o incentivo ao preconceito é fundamental para a sobrevivência.

A tendência também não consegue entender a crise atual e pergunta: “Como doze anos de tão importante transformação social, econômica e política no país puderam ser desconsiderados em um espaço de tempo tão breve?” Essa é fácil de responder: foram desconsiderados porque não houve transformação alguma social, econômica ou política. Houve só aumento de dinheiro em circulação que proporcionou melhores ganhos e a falsa impressão de desenvolvimento sustentado, pois a política econômica era equivocada. Quando o dinheiro diminuiu, escancarou-se a roubalheira, a corrupção, o péssimo governo e a incompetência em todos os sentidos. Aí, claro, o povo se revoltou.

No vigésimo-sexto parágrafo, está dito que graças à política econômica de Lula, “o Brasil passou da condição de eterno devedor à de credor global”. O mais de 1 trilhão de reais de dívidas interna e externa de hoje desmentem cabalmente essa afirmação. Só a Petrobras tem dívidas que consumiriam quase um terço das reservas cambiais de US$ 350 bilhões citadas nesse parágrafo.

Ah, essa tendência também culpa o passado pela corrupção atual, dizendo que “o PT não pode cair nessa vala comum”. Doze anos de roubalheira, de mensalão e de mais de R$ 6 bilhões surrupiados da Petrobras segundo ao balanço da empresa, e eles dizem que o partido não pode cair nessa vala comum... Deviam pensar em como sair da vala em que estão há muito tempo.

Eles também creem firmemente que Dilma jamais mentiu durante a campanha, recusando totalmente a pecha de “estelionato eleitoral” e atribuindo-a, claro, a FHC em 1998, jamais à “presidenta”. A esquerda continua com a mesma mania que vem desde os tempos de Lênin e Stálin: para ela, mudar a história é apenas uma questão de botar no papel o que eles consideram melhor para o partido.

A próxima tese é da chapa Partido Para Todos e na Luta que, ao que parece, é uma união do Movimento PT, da Tribo, do Socialismo XXI e de independentes. Somados devem dar uns 15 militantes. Mas vamos lá.

Talvez inspirados em Cazuza, o tema da tese é O Tempo Não Para. E, como não poderia deixar de ser, depois de afirmar que a eleição de Dilma reafirmou a esperança mundial, pois “somos fiadores de um importante processo político e econômico em curso no mundo” (!!!), a análise do cenário internacional começa com a velha “crise internacional do capitalismo” que “polarizou ideologicamente o mundo”.  Juro que está escrito isso aí.

Mas eles são sinceros em alguns momentos: “Se antes era possível acusar um grupo ou uma corrente interna do PT por protagonizar as principais distorções que experimentamos no último período, hoje práticas que estão em desacordo com nossa ideologia, e inclusive desvios éticos, atravessam a maioria das tendências, fragilizadas pelo mesmo processo que enfraqueceu as instâncias partidárias.” A autocrítica diz, claramente que a maioria das tendências pratica desvio éticos.  Pois é, eles sabem.

Na análise da última eleição presidencial, a queda de Marina nas pesquisas é atribuída a erros dela. Sobre a infame campanha do PT contra a moça, tanto na propaganda oficial quanto nas redes sociais, nenhuma linha.

Por fim, a chapa afirma que o partido deve retomar a luta social como prioridade de atuação. Não por acaso, no parágrafo anterior, o MST é citado entre os movimentos nos quais o partido deve investir.

A última tendência a botar no papel seus sonhos ditatoriais de esquerda é a da Chapa Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo! (dois pontos de exclamação no nome da chapa deve ser um recorde). Mas, apesar do nome com duas frases, a tese ocupa apenas 34 parágrafos e menos de dez páginas.

Embora pequena, parece que a radicalização aqui bate mais firme. O título da tese não deixa dúvida: “Abaixo a política de austeridade! Anulação das Privatizações! Não Pagamento da Dívida! Fora os Capitalistas do Governo!” Quatro pontos de exclamação para dizer que tudo aquilo que Lula fez questão de se livrar para ser aceito como candidato viável em 2002, essa chapa quer de volta.

Diante disso, qualquer leitura dessa tese vai esbarrar naquele mesmo esbirro das esquerdas de acabar “com tudo isso que aí está” para se construir o “novo mundo possível”.  

Mas eu não poderia deixar de citar uma “descoberta” da chapa: “O aprofundamento da crise econômica do capitalismo é seguido pela crise política de dominação do capitalismo”. Eu sei, já conhecem o tema, né?

E na sequência dessa inédita afirmação, a chapa afirma que “Este é um processo internacional e que no Brasil atinge diretamente o PT, que está na cabeça de um governo que busca a salvação do sistema em decadência”.  Viram só?

Para finalizar, um vaticínio: “Ou esse V Congresso gira essa política, ou o PT seguirá sua autodestruição”.  Então vamos torcer para que o Congresso não “gire” política nenhuma, certo? 

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