Ganhou notoriedade maior este ano o Caderno de Teses do PT,
produzido para o V Congresso do partido
que acontece em junho, em Salvador (BA). Em parte por causa da oposição ao
petismo que anda divulgando-o como uma espécie de prova de que eles querem mesmo
transformar nosso país numa imensa Cuba, passando antes pelas agruras em que
vive hoje a Venezuela.
Mas a notoriedade é motivada também pelo imenso folclore
que o documento contém e que, num primeiro momento, assusta, mas depois vira
humor, tamanho os absurdos, as mentiras, as análises enviesadas da realidade,
enfim, toda a prosopopeia que a velha esquerda insiste em usar em detrimento da
realidade.
Quase tudo é escrito como se o capitalismo fosse o maior dos males e o socialismo
não só o “bem” como fosse inevitável, como um natural progresso da humanidade. Não escrevem, claro que o socialismo não deu
certo e que, nos países que realmente contam no concerto mundial, é carta fora
do baralho, é passado de terror que, quem viveu, jamais quer viver de novo.
Em primeiro lugar, que fique claro, teses como essas são
produzidas amiúde pelos grupelhos de esquerda que coabitam o PT, combatem o capitalismo
e querem porque querem uma ditadura do proletariado para chamarem de sua. Não serão
colocadas em prática a não ser que um grupelho desses consiga vencer a eleição
interna do partido, dominar o diretório nacional e, depois, vencer as eleições presidenciais
do Brasil. Ou dando um golpe que resulte numa tomada à força do poder e instale
aqui uma ditadura socialista, depois de eliminar uns 20 ou 30 milhões de possíveis
opositores. Eliminar à bala, como fizeram outras ditaduras do tipo.
Mas antes que isso aconteça, talvez o socialismo já tenha
virado peça de museu, de estudos curiosos, para saber como populações inteiras
se deixaram levar por vãs promessas de paraísos terrenos e sofreram tanto e por
tanto tempo na mão de tiranos.
Detalhe: não há, nesse caderno que circula por aí (não sei
se ele está completo) tese da corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo
Brasil (CNB). É a que comanda o partido e à qual pertencem Lula e Zé Dirceu.
Isso posto, vamos ao caderno de teses. Uma das poucas visões
corretas de todo o caderno (são 165 páginas), deve ser o título dado à sua
tese pela tendência Articulação de Esquerda: “Um partido para os tempos de
guerra”. Considero o título correto porque, depois de 12 anos no poder, mais de
70% da população brasileira não aguenta mais o PT e está em guerra declarada
contra ele.
Mas é difícil achar outros “acertos”. O êxito do partido em
algumas políticas públicas não passa, nem de raspão, pelo fato de a economia
ter sido totalmente mudada na era FHC, criando condições para que, num cenário
mundial favorável, o Brasil se sobressaísse mercê seu formidável poderio exportador.
Depois de esquecer o que ocorreu antes e fazer grandes
elogios ao governo Lula, a chapa faz uma autocrítica que revela o tom que vai
permear o resto da tese: “Mas não fomos capazes de realizar transformações estruturais,
que retirassem do grande capital o controle sobre as alavancas fundamentais da
economia e da política brasileira”.
Por aí se vê que o objetivo é estatizar
tudo, acabar com o “grande capital” e dominar a economia e a política. Esse
parágrafo já depõe contra todo o documento e o que se verá dali pra frente é o
velho discurso da esquerda de dominação total e da destruição do capitalismo para
se manter no poder. Lixo.
A segunda tese exposta no caderno é da chapa Diálogo e Ação
Petista e tem por título “Resgatar petismo no PT!”, assim mesmo, com ponto de
exclamação. A tendência tem uma visão
mais imediatista da história atual.
Diz, logo de cara, que “os dias 13 e 15 de
março definiram os dois lados da trincheira.” E que os que foram às ruas no dia
13 “forneceram um ponto de apoio para a resistência popular à ofensiva
reacionária”. Ok, não riam. Para essa turminha, o fato de a CUT, o PT e os
governos petistas contratarem milhares de pessoas, dando condução grátis,
camisetas, bandeiras e faixas e ainda pagando um “cachê” pela participação, se
constitui num definidor do movimento de massas de esquerda que ora se vê no
Brasil. Esse povo “contratado” é o ponto de apoio deles. Os outros todos que
foram às ruas dia 15 de março (e também em 12 de abril), voluntariamente,
movidos pela indignação e pela esperança de mudar o Brasil para melhor, não
passam paus mandados convocados por empresários, partidos de oposição e pela TV
Globo. Eles dizem que até a Federação Paulista de Futebol mudou horários de
jogos para promover a manifestação, quando foi exatamente o contrário que ocorreu:
a PM pediu para a FPF mudar o horário para a força policial dar conta da segurança
de todos.
Quando vejo a leitura que esses socialistas fazem da
realidade, percebo porque gente séria não acredita mais neles e muito menos no
socialismo. Um regime que nasce de premissas totalmente falsas não vai
encontrar amparo na realidade nem adesão dos honestos.
Só para constar: o 32º parágrafo do texto dessa tendência termina
com um brado: “Abaixo o Plano Levy”. É pra levar a sério?
A terceira tese do caderno é da chapa Mensagem ao Partido e
ela prega um “novo ciclo de mudanças democráticas no país”. O título seria bom
desde que as mudanças fossem mesmo “democráticas”. Mas o que a esquerda entende
como “democracia” é fim das liberdades, o fim da economia privada, a censura à
imprensa e por aí vai.
Para explicitar sua tese, a chapa começa com uma “análise”
do cenário internacional, onde, pela enésima vez, o capitalismo vive seus dias
de agonia e a esquerda dá sinais fortes de crescimento. Eu lia coisas assim
durante a ditadura militar no Brasil, quando era estudante e frequentava alguns
núcleos de partidecos de esquerda, clandestinos, claros.
Na análise, para se ter uma ideia mais precisa das
baboseiras, a Venezuela, país “que mais se atreveu no caminho da agenda
pós-neoliberal” é vítima das “duras pressões do mercado financeiro
internacional e da ingerência do governo dos EUA...” Ah, sim, toda a corrupção
na Petrobras é atribuída a FHC, que a iniciou. Dilma só a combateu... É muita
cara de pau, né?
Depois de 130 parágrafos de mentiras e delírios socializantes
da Mensagem ao Partido, começa a tese da Militância Socialista. Após teorizar
sobre socialismo e o que é ser socialista, a crise do capitalismo vira tema
(como sempre, né?), apontando-o como causa de todos os males do mundo. “O
capitalismo global está no auge de uma estagnação secular”, afirma a chapa no,
coincidentemente acho eu, 13º parágrafo. Como já disse, cansei de ler frases
como essa há cerca de 45 anos.
Um detalhe interessante: a II Guerra, para essa tendência, “foi
um conflito imperialista” em que “as elites dominantes fascistas ou ‘democráticas’
promoveram a barbárie e deram prova daquilo que a ordem capitalista é capaz.” A
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que matou milhões, foi fundamental também
para deter Hitler e invadiu países do Leste Europeu, dominando-os e impondo ali
ditaduras de esquerda, ficou de fora. Acredite: para eles, só os fascistas e ‘democráticos’
promoveram a barbárie.
Depois de 90 parágrafos da Militância Socialista, surge a
tese da chapa O Partido que Muda o Brasil. Como título apenas “Manifesto”. Logo
de cara, depois de algumas considerações sobre o que eles consideram o cenário
político atual, afirmam, com a maior cara de pau, que Lula e Dilma só venceram
no segundo turno suas eleições porque a sociedade brasileira é conservadora e “alguns
segmentos nunca esconderam seu desprezo pelos pobres ou pelos nordestinos, nem
ocultaram seu racismo, sexismo e homofobia”. Pois é. Para eles, o incentivo ao
preconceito é fundamental para a sobrevivência.
A tendência também não consegue entender a crise atual e
pergunta: “Como doze anos de tão importante transformação social, econômica e
política no país puderam ser desconsiderados em um espaço de tempo tão breve?” Essa
é fácil de responder: foram desconsiderados porque não houve transformação alguma social, econômica ou
política. Houve só aumento de dinheiro em circulação que proporcionou melhores
ganhos e a falsa impressão de desenvolvimento sustentado, pois a política econômica
era equivocada. Quando o dinheiro diminuiu, escancarou-se a roubalheira, a
corrupção, o péssimo governo e a incompetência em todos os sentidos. Aí, claro,
o povo se revoltou.
No vigésimo-sexto parágrafo, está dito que graças à política
econômica de Lula, “o Brasil passou da condição de eterno devedor à de credor
global”. O mais de 1 trilhão de reais de dívidas interna e externa de hoje
desmentem cabalmente essa afirmação. Só a Petrobras tem dívidas que consumiriam
quase um terço das reservas cambiais de US$ 350 bilhões citadas nesse
parágrafo.
Ah, essa tendência também culpa o passado pela corrupção
atual, dizendo que “o PT não pode cair nessa vala comum”. Doze anos de
roubalheira, de mensalão e de mais de R$ 6 bilhões surrupiados da Petrobras segundo
ao balanço da empresa, e eles dizem que o partido não pode cair nessa vala
comum... Deviam pensar em como sair da vala em que estão há muito tempo.
Eles também creem firmemente que Dilma jamais mentiu durante
a campanha, recusando totalmente a pecha de “estelionato eleitoral” e
atribuindo-a, claro, a FHC em 1998, jamais à “presidenta”. A esquerda continua
com a mesma mania que vem desde os tempos de Lênin e Stálin: para ela, mudar a
história é apenas uma questão de botar no papel o que eles consideram melhor
para o partido.
A próxima tese é da chapa Partido Para Todos e na Luta que,
ao que parece, é uma união do Movimento PT, da Tribo, do Socialismo XXI e de
independentes. Somados devem dar uns 15 militantes. Mas vamos lá.
Talvez inspirados em Cazuza, o tema da tese é O Tempo Não
Para. E, como não poderia deixar de ser, depois de afirmar que a eleição de
Dilma reafirmou a esperança mundial, pois “somos fiadores de um importante
processo político e econômico em curso no mundo” (!!!), a análise do cenário
internacional começa com a velha “crise internacional do capitalismo” que “polarizou
ideologicamente o mundo”. Juro que está
escrito isso aí.
Mas eles são sinceros em alguns momentos: “Se antes era
possível acusar um grupo ou uma corrente interna do PT por protagonizar as
principais distorções que experimentamos no último período, hoje práticas que
estão em desacordo com nossa ideologia, e inclusive desvios éticos, atravessam
a maioria das tendências, fragilizadas pelo mesmo processo que enfraqueceu as
instâncias partidárias.” A autocrítica diz, claramente que a maioria das
tendências pratica desvio éticos. Pois
é, eles sabem.
Na análise da última eleição presidencial, a queda de Marina
nas pesquisas é atribuída a erros dela. Sobre a infame campanha do PT contra a
moça, tanto na propaganda oficial quanto nas redes sociais, nenhuma linha.
Por fim, a chapa afirma que o partido deve retomar a luta
social como prioridade de atuação. Não por acaso, no parágrafo anterior, o MST é citado entre os movimentos nos quais o partido deve investir.
A última tendência a botar no papel seus sonhos ditatoriais
de esquerda é a da Chapa Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo! (dois
pontos de exclamação no nome da chapa deve ser um recorde). Mas, apesar do nome
com duas frases, a tese ocupa apenas 34 parágrafos e menos de dez páginas.
Embora pequena, parece que a radicalização aqui bate mais
firme. O título da tese não deixa dúvida: “Abaixo a política de austeridade!
Anulação das Privatizações! Não Pagamento da Dívida! Fora os Capitalistas do
Governo!” Quatro pontos de exclamação para dizer que tudo aquilo que Lula fez questão de se livrar
para ser aceito como candidato viável em 2002, essa chapa quer de volta.
Diante disso, qualquer leitura dessa tese vai esbarrar
naquele mesmo esbirro das esquerdas de acabar “com tudo isso que aí está” para
se construir o “novo mundo possível”.
Mas eu não poderia deixar de citar uma “descoberta” da
chapa: “O aprofundamento da crise econômica do capitalismo é seguido pela crise
política de dominação do capitalismo”. Eu sei, já conhecem o tema, né?
E na sequência dessa inédita afirmação, a chapa afirma que “Este
é um processo internacional e que no Brasil atinge diretamente o PT, que está
na cabeça de um governo que busca a salvação do sistema em decadência”. Viram só?
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