O ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, a quem o Planalto culpa pelas
pedaladas fiscais, já tratou de tirar o seu da reta também, tal como Dilma
Rousseff. Ele acusa os bancos que ainda não se defenderam, mas quando fizerem,
provavelmente culparão FHC ou D. João VI. A reportagem é do Estadão de hoje.
Arno diz ao TCU que
seus atos tinham ‘qualidades e roupagens da licitude’
Adriana Fernandes,
João Villaverde - O Estado de S. Paulo
Apontado como o principal autor das pedaladas fiscais, o ex-secretário
do Tesouro Nacional Arno Augustin nega oficialmente qualquer ilegalidade nos
atrasos no repasse de recursos públicos a bancos. Em sua defesa entregue ao
Tribunal de Contas da União (TCU) na semana passada, à qual o ‘Broadcast’,
serviço em tempo real da ‘Agência Estado’, teve acesso, Augustin transfere para
os bancos a responsabilidade do pagamento das despesas de seguro-desemprego,
abono salarial e Bolsa Família.
O ex-secretário diz
que não era de sua competência executar, realizar e fazer pagamento dessas
despesas pelas instituições financeiras. Na sua defesa, reforça a tese de que
os seus atos administrativos como secretário do Tesouro possuíam todas as
“qualidades e roupagens da licitude”.
“Não era de minha
competência a execução, realização e pagamento das despesas do
seguro-desemprego e abono salarial, e que se houve decisão do pagamento dessas
despesas pela instituição financeira sem o recebimento prévio dos recursos
financeiros, isso decorreu da geração e/ou envio de arquivo eletrônico a cargo
do Ministério do Trabalho ou da própria Caixa, o que possibilitou a realização
dos pagamentos aos beneficiários finais do programa, não devendo ser a mim
imputada tal responsabilidade haja vista que não sou e nunca fui
executor/gestor das despesas do seguro-desemprego e abono salarial”, relata
Augustin.
A Caixa informou que
não comentará os argumentos do secretário. Também procurado pela reportagem, o
Ministério do Trabalho não respondeu até o fechamento desta edição.
A mesma tese é
apresentada para o caso do programa Bolsa Família. Além de não assumir
responsabilidades pelos pagamentos, Augustin fala em fragilidades na
argumentação do TCU e reforça a defesa de que os atrasos do Tesouro à Caixa não
constituíram uma operação de crédito.
O tribunal entendeu o
contrário, seguindo o parecer do Ministério Público (MP) junto ao TCU: para
eles, uma operação de crédito foi criada entre a União e os bancos públicos, o
que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Augustin também cita,
na sua defesa, nota técnica, datada do dia 30 de dezembro de 2014, em que
afirma que a autorização final para liberação de recursos do Orçamento é de
responsabilidade do secretário do Tesouro Nacional. O Broadcast apurou que a
inclusão dessa nota visa a proteger seus principais auxiliares à época, que
também foram arrolados no processo. A nota foi interpretada pela oposição como
uma tentativa da Advocacia-Geral da União (AGU) de eximir de responsabilidade a
presidente Dilma Rousseff. Mas, na defesa, Arno não assume a existência de
pedaladas.
As dívidas acumuladas
pelo Tesouro com o Banco do Brasil e com o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) para garantir o crédito subsidiado concedido por
esses bancos ficaram igualmente conhecidas como “pedaladas”. E também são alvo
da defesa do ex-secretário.
Augustin reconheceu que o governo está inadimplente
com esses bancos, mas sustenta que esses atrasos não se configuram operação de
crédito. “(...) quando deixou de cumprir, a União tornou-se simplesmente
inadimplente com os bancos credores da subvenção, em virtude de descumprimento
de dispositivo normativo (portaria) e não contratual”, argumentou.
Ao longo de toda a
defesa, de 123 páginas, não faltam menções a períodos anteriores a 2003, de
forma a mostrar que a prática também ocorreu no governo de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), que governou de 1995 a 2002. “Em que pese reconhecer a
importância de que possam ser aperfeiçoados os procedimentos de execução
financeira, em todas as situações apontadas como ilegais ou irregulares pelo
TCU, busquei ser zeloso na execução de minhas atribuições, em cumprimento aos
dispositivos que regem o sistema de programação orçamentária e financeira, o
que reveste meus atos de boa-fé”, escreve em sua defesa.
A defesa de Augustin é
uma das 17 entregues por autoridades do governo ao TCU, que condenou as
“pedaladas” em decisão unânime após julgamento em abril. As defesas foram
entregues ao relator do processo, ministro José Múcio Monteiro, do TCU, a quem
cabe analisar a atribuição de responsabilidade pelas práticas.
As pedaladas fiscais
foram os atrasos propositais do Tesouro Nacional no repasse de recursos
públicos para bancos e autarquias de forma a melhorar artificialmente as contas
públicas. Ao apresentar despesas federais menores do que deveriam ser, devido
aos atrasos, o Tesouro esperava melhorar o humor do mercado.
Reveladas pelo Estado há
um ano, as pedaladas foram comprovadas por auditores do Tribunal de Contas da
União (TCU), que investigaram documentos, contratos e ordens de pagamentos do
Tesouro junto à Caixa Econômica Federal, ao Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), ao BB, BNDES e ministérios do Trabalho, do Desenvolvimento Social e das
Cidades. O relatório foi acatado de forma unânime pelos ministros do TCU em
julgamento em abril.
O governo ingressou
com um recurso ao mesmo tempo em que as 17 autoridades culpadas pela prática
das pedaladas fiscais entregaram suas defesas. As decisões finais cabem ao TCU,
no âmbito administrativo, e ao Ministério Público Federal, que também investiga
as pedaladas fiscais.
Além disso, a oposição
entrou com ação penal contra a presidente Dilma Rousseff por conta das
pedaladas fiscais na Procuradoria-Geral da República (PGR). Assinada pelo jurista
Miguel Reale Jr., a ação afirma que o governo infringiu o artigo 359-A do
Código Penal que exige que uma operação de crédito feita por um gestor público
precisa passar por autorização legislativa.
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