A Câmara de Campinas perdeu uma grande oportunidade de se
calar. Não se calou e fez a cidade passar vergonha mundial. Sim, mundial,
porque hoje qualquer espirro fora de ordem pode repercutir no mundo inteiro. E
foi mais que fora de ordem um bando e vereadores aprovar uma moção de repúdio
contra uma questão do Enem.
Eu, por exemplo, não sou muito fã da pensadora Simone de Beauvoir,
embora reconheça seu valor intelectual. E vejo com preocupação a "esquerdização" do ensino no Brasil da qual o exame do Enem é prova.
No caso da questão, cheguei a criticar, no Facebook, mas depois resolvi ler mais um pouco e percebi que o contexto não era
bem aquele que muita gente postou. E, se vereador fosse, teria votado contra
essa aberração que foi aprovada com apenas cinco votos contrários. Isso porque
toda e qualquer pessoa pode ser contra o que pensa qualquer outra pessoa,
claro, mas transformar uma questão de uma prova em matéria de repúdio de uma
Câmara Municipal ganha contornos que envolvem toda a cidade. E a cidade - ou pelo menos aqueles tiveram acesso a um ensino mais completo -está envergonhada com a postura dos vereadores.
Envergonhada não só por aprovar uma moção usando para tanto
um discurso machista e atrasado que não encontra mais paralelo no mundo
civilizado, mas por tratar a questão da prova com uma total ignorância sobre o
que a pensadora francesa estava falando.
A aberração dos discursos dos vereadores chega ao ponto de
considerar que Simone estaria negando o gênero de um ser que nasce mulher. Não
estava, claro. Quando ela escreveu o parágrafo escolhido para a prova, essa
discussão de gênero não tinha chegado nem aos pés de onde hoje chegou. Portanto,
ela se refere à construção social e psicológica da mulher numa sociedade. Do
mesmo modo que poderia se referir à construção social e psicológica do homem,
numa sociedade tão ou mais machista do que a atual.
A Câmara de Vereadores de Campinas, exposta mais uma vez à
gozação pública (já e a terceira vez só neste ano), preocupa e muito, já que
seus valores passam longe de qualquer visão democrática da sociedade em que
vivemos e coloca a cidade numa evidência negativa de grandes proporções.
A intolerância exacerbada beira o fanatismo que cega. Daí
entenderem que a frase “ninguém nasce mulher” seria uma afirmação contra o
gênero. Cegos pelo fanatismo religioso, os vereadores – que passaram ao largo
de qualquer estudo de filosofia como provam seus discursos – foram logo
clamando por valores da fé para justificar a fogueira em que lançaram o
parágrafo da pensadora.
Não atentaram que ela poderia estar dizendo outra coisa com
sua análise do papel da mulher na sociedade porque jamais se importaram com
isso. Nem perceberam que Simone estava falando justamente com eles e para eles.
Sim, porque a mulher, na esmagadora maioria das sociedades tem de enfrentar também
o machismo para se firmar. Há sociedades que ainda hoje consideram a mulher um ser
inferior – e há exemplos terríveis de execuções oficiais por infidelidade ou assassinatos pelo fato de ter havido uma separação ou por simplesmente por querer a mulher a separação, Há países ainda hoje onde onde as leis priorizam os homens e relegam a
mulher a um papel secundário e submisso.
Mas para a maioria dos vereadores de Campinas, a questão de
Simone não tratava disso e sim de “ofender o criador” ou alguma coisa parecida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário