sábado, 19 de março de 2016

Rabo de Lagartixa II


Quando a ditadura militar já não tinha mais forças para levar adiante seu autoritário projeto e o povo na rua – não muitos, mas barulhentos – clamava por seu fim, eu trabalhava no Diário do Povo e escrevi um artigo chamado Rabo de Lagartixa. A analogia era, claro, com o regime que agonizava. Depois que é cortado, o rabo da lagartixa ainda se mexe, tem uns espasmos, parece estar procurando o corpo, mas logo fenece, fica estático, morto. E a lagartixa, em pouco tempo, ganha um rabo novo. Os espasmos da ditadura ainda espocavam aqui e ali, mas a grande lagartixa democrática já via seu novo rabo aparecer, um pouco tímido, mas firme em busca da retomada do poder.

Os militares perderam a indicação do seu candidato favorito (Mário Andreazza) e tiveram que engolir Paulo Maluf, que, claro, comprou os delegados do PDS que votaram pela escolha.  As forças democráticas escolheram Tancredo Neves, que recebeu elogios até do último general de plantão, João Figueiredo. E Tancredo derrotou Maluf e o Brasil voltou à democracia. O novo rabo da lagartixa estava instalado.

A história atual tem algumas coincidências com a de 31 anos atrás. Claro, não vivemos uma ditadura, mas o partido que está no poder tem muitos dos ingredientes que levariam o Brasil a um regime autoritário caso fossem misturados corretamente. Não conseguiram misturar porque as instituições da sociedade democrática que são fortes no Brasil não deixaram.

E por ter uma vocação muito grande para o autoritarismo é que o PT repete, ao ver o poder escorrer entre os dedos, os esbirros dos carrancudos generais e aliados que, 21 anos depois de assumirem o governo, relutavam em deixá-lo.

As mentiras de Dilma Rousseff para ser reeleita foram o primeiro grande sinal de que a coisa havia desandado. A economia dava enormes sinais de fracasso, sinais esses devidamente maquiados para se levar a mentira até o fim do segundo turno. A compra descarada de eleitores com ameaças desonestas do fim de programas sociais, o uso descarado da máquina pública a favor dos candidatos do PT e muitas outras ações não republicanas que infestaram as eleições, eram a prova cabal de que o governo não tinha mais o que fazer pelo país, mas jamais pensaria em entregar dedos e anéis a quem tinha outras ideias que poderiam fazer o país crescer e a crise acabar. Parece que a decisão do PT, a partir do primeiro e desastroso mandato de Dilma, era apenas se manter no poder e o país que se danasse.

Assim, o PT se aproximou perigosamente dos atos ditatoriais que marcaram o fim do regime militar. A propaganda enganosa ululando, acordos espúrios com ganhos imediatos, alianças com os piores nomes da República, contrapartidas exigidas à imprensa dependente das verbas oficiais e um mar de blogueiros (isso, claro, não havia há 31 anos) a infernizar as redes sociais com mentiras e mais mentiras, louvando o governo e tentando destruir adversários. Uma guerra em muitos aspectos muito pior do que a realizada pelos generais para preservarem o poder.

Guerras sempre têm alguns heróis e a atual não foi diferente. Quando a última cartada para a manutenção do poder foi dada – a chamada de Lula para compor o Ministério com o propósito de blindá-lo da primeira instância, mas que significaria ele assumir um terceiro mandato onde Dilma mandaria menos que a rainha da Inglaterra – foi destruída por um juiz que, cumprindo seu papel, revelou ao Brasil um Lula que todos da oposição sabem que existe, mas que a grande maioria ignorava.

A liberação – em oportuníssima hora – pelo bravo juiz Sérgio Moro das gravações das escutas telefônicas que faziam parte da investigação ao que o ex-presidente está submetido, mostrou uma trama criminosa, com a participação direta da cúpula do governo, não apenas para proteger o investigado de vários crimes, mas também para desestabilizar os investigadores e com isso melar as investigações. Uma interferência absurda do Poder Executivo no roteiro da justiça buscada pelo Poder Judiciário.

O povo na rua no dia 13 de março, o maior da história do Brasil, deu o respaldo suficiente para que, ouvidas as gravações e constatados os perigos nelas contidos, políticos, juízes, advogados e outros se posicionassem com muito mais firmeza contra a corrupção, contra um governo incompetente e autoritário e a favor do impeachment que pode acabar com essa triste fase do Brasil.

O povo na rua fez a OAB, por exemplo, pelo indiscutível placar de 26 a 2, apoiar o impeachment. O povo na rua deu forças ao combalido – e investigado com justa razão – Eduardo Cunha de apressar a escolha da Comissão de Impeachment e até de convocar uma bissexta sessão numa sexta-feira para diminuir o tempo do processo. E o povo na rua deu força também para que a comissão escolhida tivesse maioria de deputados contra o governo, apesar de a base aliada ser ali maioria.

Mas tem mais. A força emanada do grito de “basta” de milhões de brasileiros em mais de 300 cidades fez o próprio partido do governo se sentir acuado onde antes ele era incensado. As ruas agora são do povo que quer mudanças e não mais das passeatas movidas a enormes verbas sindicais, a condução gratuita, a sanduíches de mortadela e a cachês de 30 ou 40 reais.

O falso domínio das ruas foi por água abaixo e o PT, juntando todas as suas forças, conseguiu levar às ruas 13 vezes menos gente dos que as passeatas pelo impeachment e pela defesa do combate à corrupção.

O PT e seu governo estão acabando. As bravatas que temos ouvido e as que ainda vamos ouvir, os arroubos retóricos e os discursos inflamados (e mentirosos) que serão feitos por aí serão apenas aqueles espasmos do rabo da lagartixa que, cortado, se debate em busca de um corpo. E morre em seguida. 

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