Quando a ditadura militar já não tinha mais forças para
levar adiante seu autoritário projeto e o povo na rua – não muitos, mas barulhentos
– clamava por seu fim, eu trabalhava no Diário do Povo e escrevi um artigo
chamado Rabo de Lagartixa. A analogia era, claro, com o regime que agonizava.
Depois que é cortado, o rabo da lagartixa ainda se mexe, tem uns espasmos,
parece estar procurando o corpo, mas logo fenece, fica estático, morto. E a
lagartixa, em pouco tempo, ganha um rabo novo. Os espasmos da ditadura ainda espocavam aqui e ali, mas a
grande lagartixa democrática já via seu novo rabo aparecer, um pouco tímido,
mas firme em busca da retomada do poder.
Os militares perderam a indicação do seu candidato favorito
(Mário Andreazza) e tiveram que engolir Paulo Maluf, que, claro, comprou os
delegados do PDS que votaram pela escolha. As forças democráticas escolheram Tancredo Neves,
que recebeu elogios até do último general de plantão, João Figueiredo. E Tancredo
derrotou Maluf e o Brasil voltou à democracia. O novo rabo da lagartixa estava
instalado.
A história atual tem algumas coincidências com a de 31 anos
atrás. Claro, não vivemos uma ditadura, mas o partido que está no poder tem
muitos dos ingredientes que levariam o Brasil a um regime autoritário caso
fossem misturados corretamente. Não conseguiram misturar porque as instituições
da sociedade democrática que são fortes no Brasil não deixaram.
E por ter uma vocação muito grande para o autoritarismo é
que o PT repete, ao ver o poder escorrer entre os dedos, os esbirros dos
carrancudos generais e aliados que, 21 anos depois de assumirem o governo,
relutavam em deixá-lo.
As mentiras de Dilma Rousseff para ser reeleita foram o
primeiro grande sinal de que a coisa havia desandado. A economia dava enormes
sinais de fracasso, sinais esses devidamente maquiados para se levar a mentira
até o fim do segundo turno. A compra descarada de eleitores com ameaças
desonestas do fim de programas sociais, o uso descarado da máquina pública a
favor dos candidatos do PT e muitas outras ações não republicanas que
infestaram as eleições, eram a prova cabal de que o governo não tinha mais o
que fazer pelo país, mas jamais pensaria em entregar dedos e anéis a quem tinha
outras ideias que poderiam fazer o país crescer e a crise acabar. Parece que a
decisão do PT, a partir do primeiro e desastroso mandato de Dilma, era apenas
se manter no poder e o país que se danasse.
Assim, o PT se aproximou perigosamente dos atos ditatoriais
que marcaram o fim do regime militar. A propaganda enganosa ululando, acordos espúrios
com ganhos imediatos, alianças com os piores nomes da República, contrapartidas
exigidas à imprensa dependente das verbas oficiais e um mar de blogueiros (isso, claro, não havia há 31 anos) a infernizar as redes sociais com mentiras e mais
mentiras, louvando o governo e tentando destruir adversários. Uma guerra em
muitos aspectos muito pior do que a realizada pelos generais para preservarem o
poder.
Guerras sempre têm alguns heróis e a atual não foi
diferente. Quando a última cartada para a manutenção do poder foi dada – a chamada
de Lula para compor o Ministério com o propósito de blindá-lo da primeira instância,
mas que significaria ele assumir um terceiro mandato onde Dilma mandaria menos
que a rainha da Inglaterra – foi destruída por um juiz que, cumprindo seu
papel, revelou ao Brasil um Lula que todos da oposição sabem que existe, mas
que a grande maioria ignorava.
A liberação – em oportuníssima hora – pelo bravo juiz Sérgio
Moro das gravações das escutas telefônicas que faziam parte da investigação ao
que o ex-presidente está submetido, mostrou uma trama criminosa, com a
participação direta da cúpula do governo, não apenas para proteger o investigado
de vários crimes, mas também para desestabilizar os investigadores e com isso
melar as investigações. Uma interferência absurda do Poder Executivo no roteiro
da justiça buscada pelo Poder Judiciário.
O povo na rua no dia 13 de março, o maior da história do
Brasil, deu o respaldo suficiente para que, ouvidas as gravações e constatados
os perigos nelas contidos, políticos, juízes, advogados e outros se
posicionassem com muito mais firmeza contra a corrupção, contra um governo incompetente
e autoritário e a favor do impeachment que pode acabar com essa triste fase do
Brasil.
O povo na rua fez a OAB, por exemplo, pelo indiscutível
placar de 26 a 2, apoiar o impeachment. O povo na rua deu forças ao combalido –
e investigado com justa razão – Eduardo Cunha de apressar a escolha da Comissão
de Impeachment e até de convocar uma bissexta sessão numa sexta-feira para
diminuir o tempo do processo. E o povo na rua deu força também para que a
comissão escolhida tivesse maioria de deputados contra o governo, apesar de a
base aliada ser ali maioria.
Mas tem mais. A força emanada do grito de “basta” de milhões
de brasileiros em mais de 300 cidades fez o próprio partido do governo se
sentir acuado onde antes ele era incensado. As ruas agora são do povo que quer
mudanças e não mais das passeatas movidas a enormes verbas sindicais, a
condução gratuita, a sanduíches de mortadela e a cachês de 30 ou 40 reais.
O falso domínio das ruas foi por água abaixo e o PT,
juntando todas as suas forças, conseguiu levar às ruas 13 vezes menos gente dos
que as passeatas pelo impeachment e pela defesa do combate à corrupção.
Mandou bem.
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirParabéns. Excelente!
ResponderExcluirExcelente artigo, Ed.
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