No momento em que se fala que já há investigações em
curso sobre o que o BNDES tem feito nos últimos 12 anos, e que essa investigação
pode provocar nova hecatombe no governo petista, é bom ler o artigo abaixo que
mostra os motivos pelos quais não se pode fazer segredo do uso do
dinheiro público.
Abrindo a caixa preta do BNDES
Vinicius Carrasco, Arminio Fraga Neto e João Manoel Pinho
de Mello*
Nos últimos anos, o governo abriu como nunca as torneiras
do Tesouro, aportando vultosos recursos ao BNDES, através do qual concedeu
empréstimos subsidiados. Qual o resultado dessa política? A resposta curta é:
não sabemos, pois não estão disponíveis dados necessários para uma análise
rigorosa dos vários programas e empréstimos individuais do banco.
Políticas públicas são financiadas por impostos e é
obrigação do governo prestar contas de seu uso aos cidadãos que os pagam. Não
menos importante, os recursos são escassos e as necessidades da população
virtualmente ilimitadas; os recursos escassos deveriam, então, ser aplicados às
políticas que gerem maior benefício à sociedade. Por essas razões, toda e
qualquer política pública deveria ser criteriosamente avaliada, com cômputos e
apresentação à sociedade de seus custos e benefícios.
Do lado dos custos, a discussão se dá de maneira um tanto
quanto confusa. A atividade principal de um banco é conceder empréstimos. O
risco desses empréstimos (e, portanto, seu custo econômico) é incorrido por
quem financia o banco. O custo de financiamento de um banco está relacionado ao
risco de seu portfólio de ativos, ou seja: os recursos que financiam a
atividade do banco devem ser remunerados de acordo com o risco que impõe aos
financiadores.
Um exemplo: parte substancial do financiamento do BNDES
vem de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), para os quais não há
qualquer compromisso de repagamento de seu principal pelo banco. Portanto, o
FAT é, de fato, acionista do BNDES e deveria ser remunerado de acordo com os
riscos com os quais um acionista se depara. A despeito disso, recebe como
remuneração a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
De forma análoga, o governo é acionista do BNDES e
deveria ser remunerado como tal. Em particular, ao contrário do que o debate
público sugere, o subsídio implícito em qualquer empréstimo feito pelo BNDES é
a diferença entre a taxa do empréstimo e o custo econômico de financiamento do
banco: fazer com que a TJLP se iguale à Selic reduziria, mas não eliminaria o
subsídio.
Além do custo de financiamento do banco, há um outro
custo que deve ser levado em consideração. O FAT, por exemplo, é financiado por
impostos pagos pelas empresas e distorcem suas decisões do quanto investir em
capital e empregar trabalhadores e, portanto, impõe um custo à sociedade que
deve ser levado em consideração para se avaliar o custo do BNDES.
Se do lado dos custos o problema nos parece ser
conceitual, do lado dos benefícios o problema é que não há informação
suficiente para que a sociedade os avalie. A principal justificativa para a
atuação de um banco de desenvolvimento é a existência de projetos cujos
benefícios sociais sejam maiores que os benefícios privados. Numa situação
dessas, os agentes privados não conseguirão se apropriar de todos os benefícios
gerados. Assim, ausentes a atuação do banco e alguma forma de subsídio, esses
projetos não seriam levados a cabo, com consequências negativas para a
sociedade. Isso ocorre, por exemplo, em projetos que geram o que os economistas
chamam de externalidades positivas, isto é, quando um projeto gera ganhos
sociais para além daqueles que se beneficiam diretamente dele.
A sociedade tem o direito de julgar se os benefícios da
concessão de empréstimos subsidiados compensam os custos. Afinal, não faltam
outros problemas que podem ser mitigados com esses recursos, como as filas do
SUS ou a falta de vagas em creche, para citar apenas duas de uma longa lista de
carências.
Para fazer a avaliação, é indispensável que a sociedade
tenha acesso às informações. Por exemplo, sendo o empréstimo subsidiado, quais
são a taxa efetiva, o prazo e o indexador? Como isso se compara com os juros que
o governo paga? Para empresas abertas, como o financiamento do BNDES se compara
à taxa média de financiamento da empresa no mercado? O indexador é diferente? E
como se compara às debêntures que a empresa possa ter? Na ausência dessa
informação — o que ocorreria para empresas fechadas — como os termos se
comparam com termos que empresas abertas comparáveis enfrentam?
Até hoje os dados sobre cada empréstimo do BNDES não
estão disponíveis, sob a justificativa de que seria uma violação do sigilo
bancário. Uma possibilidade seria fazer com que cada empresa que receba
empréstimos a taxas subsidiadas (que correspondem a um custo social) abra mão
de confidencialidade de algumas informações relacionadas ao empréstimo, como
contrapartida e sob condições a serem determinadas.
É possível que, em circunstâncias muito especiais, seja
socialmente desejável fomentar algumas empresas ou setores através de
empréstimos subsidiados. Mas esse é tema para outro artigo. Nosso ponto aqui é
mais básico: precisamos, antes de mais nada, mensurar corretamente o retorno
social dos empréstimos subsidiados do BNDES. É hora de abrir a caixa preta.
*Vinicius Carrasco é professor do Departamento de Economia
da PUC-Rio; Arminio Fraga Neto é sócio do Gávea Investimentos e ex-presidente
do Banco Central; João Manoel Pinho de Mello é professor do Insper - Instituto de
Ensino e Pesquisa
(Artigo publicado em 7 de março passado no jornal O
Globo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário