Campinas, um dos centros tecnológicos mais avançados do país,
está em vias, quem diria, de proibir totalmente o Uber na cidade. Um projeto de
lei impedindo a adoção do sistema por aqui foi aprovado em primeira instância
na Câmara e tudo indica que será aprovado definitivamente.
A proibição é a mesma coisa que querer tapar o sol com a
peneira. Os vereadores assumiram a defesa dos taxistas usando os mesmos
argumentos que os países atrasados usam diante de uma realidade que modifica –
no caso para melhor – um serviço. De uma Câmara como a nossa, onde a grande
maioria faz papel de despachante das vontades do prefeito, não se podia esperar
outra coisa mesmo.
Mas acho que a posição dos vereadores apenas adia a
implantação de um serviço como o Uber na cidade. Até porque, segundo um
dirigente da categoria, há, em Campinas, cerca de 200 carros fazendo o papel de
táxis, clandestinamente e, geralmente, de luxo. Ora, então já existe uma
espécie de Uber por aí, mas contra esses, estranhamente, os vereadores nunca se
levantaram.
A questão, contudo, envolve valores bem mais importantes do
que a simples disputa entre taxistas e um serviço maios moderno, mais barato e
melhor. Ela envolve importante questão do capitalismo, como explica o livro “Salvando
o Capitalismo dos Capitalistas”, de Raghuram G. Rajan e Luigi Zingales, Trecho
desse livro, que aborda a questão dos táxis nas grandes cidades, foi publicado recentemente
no blog do jornalista Fernão de Lara Mesquita. A leitura do capítulo, que
publico abaixo, explica muita coisa que está acontecendo no episódio taxistas X
Uber.
Dois economistas,
Mancur Olsen e George Stigler, argumentaram em trabalhos separados que pequenos
grupos de interesse concentrados têm poder desproporcional nas democracias.
Esta ideia, que firmou raízes na Universidade de Chicago, é simples e poderosa.
Um exemplo pode esclarecer a lógica do argumento.
Em muitas cidades do
mundo desenvolvido, o numero de táxis em circulação é rigorosamente
regulamentado. A maioria das cidades distribui licenças que dão ao proprietário
o direito de conduzir um táxi. Em Nova York esse numero é exatamente 11.787 e
nos últimos cinco anos não foram emitidas quaisquer novas autorizações. Quem
desejar operar um táxi precisa adquirir a licença de um taxista já licenciado.
Os preços das licenças podem chegar a patamares extremamente altos (mais de US$
200 mil no caso de Nova York na época que o livro foi escrito) sugerindo que a
demanda excede amplamente a oferta.
Do ponto de vista de
um economista isso é uma aberração. O alto preço das licenças sugere que há entrantes em potencial que desejariam dirigir táxis mas não podem fazê-lo. Essa
restrição à operação do mercado parece inadequada. Contudo o público raramente protesta,
mesmo quando a grande dificuldade de conseguir um táxi lhe causa
inconvenientes.
Quando se pergunta à
prefeitura, a explicação habitual é que as restrições à concessão de novas
licenças resultam de alguma combinação de motivos estéticos, ambientais e de
qualidade de serviço. Maior número de licenças implicaria ruas mais
congestionadas e motoristas menos polidos. Além disso, uma concorrência
acirrada entre taxistas não favoreceria o público em geral porque haveria menos
incentivo à manutenção da frota ou à contratação de motoristas mais educados e
competentes.
Esses argumentos são
falaciosos. A maioria das cidades não impõe qualificações mínimas para
motoristas de táxi. Os proprietários de licenças não têm maiores incentivos
para contratar melhores motoristas (ou para a manutenção de veículos)
simplesmente porque há barreiras à concorrência; na realidade eles têm menos
incentivo do que se vigorasse a concorrência. A razão verdadeira para a
restrição à concorrência é a óbvia: os detentores de licenças se beneficiam.
Como é que eles
conseguem isso? A resposta é simples. Os governos de países democráticos reagem
a pressões. Grupos organizados podem exercer mais pressão do que os
desorganizados: podem pagar anúncios na televisão; podem falar com funcionários
da prefeitura, podem contribuir generosamente para campanhas eleitorais … quais
os grupos mais fáceis de organizar? Um pequeno grupo como os de proprietários
de licenças para dirigir táxis tem interesses comuns e se reúne regularmente em
eventos ligados ao ramo. Pode elaborar rapidamente uma pauta consensual. Já o
público em geral é formado por pessoas com motivações e gostos muito
diferentes. Todos partem de diferentes locais. É difícil organizar qualquer
encontro, quanto mais falar com a mesma voz.
Os clientes se
beneficiam de um mercado de táxis concorrencial. Mas cada um deles é pouco
beneficiado pelo aumento no número de táxis, em geral demasiado pouco para
justificar qualquer envolvimento político. Além disso, os clientes estão
dispersos, muitos deles moram fora da cidade, de modo que o custo de ações
coordenadas se torna proibitivo. Também é oneroso para qualquer um deles se
informar a respeito dos pormenores do problema, se os taxistas e a prefeitura
estão certos do ponto de vista econômico ou se estão escondendo a ganância por
trás de argumentos falaciosos.
Essa ignorância racional é exacerbada pela facilidade
com que cada cliente individualmente pode se esconder atrás do grande número de
outros clientes e tentar pegar uma carona em suas atividades políticas.
Já cada um dos donos
de táxi é muito afetado pela concessão de novas licenças e tem incentivos para
se informar de suas opções políticas. Portanto, os proprietários formam um
pequeno grupo bem identificado, que pode facilmente atuar de forma coordenada.
Em consequência, mesmo numa democracia, seus interesses muitas vezes
prevalecem, apesar da ineficiência das restrições que defendem.
Os economistas não
podem ver ineficiências sem perguntar se não haveria uma maneira melhor de
fazer. Se os proprietários de táxi têm tanto poder político, não poderiam
aceitar abrir mão de seus privilégios em troca de um pagamento por parte dos
clientes? Afinal, todos ficariam em melhor situação.
Infelizmente essas
trocas não ocorrem. A falácia dos argumentos dos taxistas em favor das
restrições seria revelada (afinal eles estariam dispostos a abrir mão da
restrição em troca de dinheiro e aí ficaria claro que a sociedade não estaria
no caminho da perdição com o aumento do número de licenças). E ao deixar de ser
ignorante o público poderia votar pela expansão do número de licenças deixando
taxistas em pior situação do que antes.
Agora podemos ver como este marco de
referência pode explicar por que é possível atrasar o desenvolvimento
financeiro.
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